A vacinação é a principal ferramenta de controle para assegurar a saúde dos animais de produção. Dentre as principais opções, temos as vacinas comerciais, produzidas e utilizadas em larga escala, e as vacinas autógenas, que demandam uma abordagem customizada e atendem necessidades pontuais do produtor.
Em princípio, as vacinas comerciais possuem uma estrutura de agentes e cepas pré-definidas que não sofre alteração. Sendo assim, a sua utilização deve se encaixar no problema sanitário para que haja efetividade de fato. As vacinas autógenas, por outro lado, são produzidas a partir de isolamentos realizados no campo, e nesse caso, a vacina é que se adapta ao caso clínico. O desenvolvimento de qualquer nova vacina passa obrigatoriamente por uma etapa de avaliação de demanda e escolha da cepa. No caso das vacinas comerciais, isso acontece somente uma vez, enquanto no caso da vacinas autógenas, esse processo é constante.
Qual a diferença entre vacinas comerciais e autógenas?
Os dois tipos de vacinas têm o mesmo propósito, mas existem diversos pontos que devem ser observados. Primeiramente é importante lembrar que as instruções normativas são distintas, sendo a IN 31/2003 que estabelece os critérios para isolamento, produção e aprovação das vacinas autógenas. Vacinas comerciais têm seus requisitos mínimos descritos em outras normativas, como a IN 07/2006.
A primeira diferença relevante entre as duas vacinas está no agente em questão. No caso das vacinas comerciais, ele pode ser atenuado ou inativado. Vacinas autógenas sempre são inativadas. Outra diferença fundamental está no tempo de preparo da vacina. As vacinas comerciais são produzidas em escala e mantidas em estoque, enquanto que vacinas autógenas levam em torno de 30 dias* para sua produção. Nesse período de tempo deve-se contabilizar o tempo para isolamento do agente, aprovação do MAPA, produção da vacina, e controle de qualidade, já que cada partida produzida passa por validação nos testes esterilidade e pureza, inativação, inocuidade e eficácia. No Brasil, os isolamentos têm validade de 15 meses, sendo necessário novo isolamento após esse período.
*partidas subsequentes que não demandam novo isolamento costumam ser entregues em menos tempo
Vacina Comercial ou Vacina Autógena? Quando usar cada uma delas?
As vacinas comerciais são recomendadas na confecção de um programa base. Vale lembrar que são poucas as empresas de produtos biológicos com atuação local, sendo o desenvolvimento da maior parte das vacinas comerciais, uma resposta a uma demanda global. Assim, algumas doenças causadas por agentes estáveis e de distribuição epidemiológica muito constante devem receber esse tipo de cobertura vacinal. A doença de Marek em frangos de corte, controlada de maneira efetiva pela vacinação com herpes vírus de perus (HVT), e a circovirose suína causada pelo PCV II são dois exemplos disso.
Uma vez que a vacina autógena não pode ser comercializada sem inativação e normalmente é injetável, o uso de vacinas comerciais também costuma atender a necessidade de vacinações precoces em aves, como acontece com a Doença de Gumboro. Vacinas vivas também são importantes na ativação de imunoglobulinas de mucosa em doenças como Bronquite Infecciosa das Aves e Pneumovirose, sendo a vacina comercial a mais recomendada para esse propósito.
A vacina autógena obrigatoriamente passa pela etapa de isolamento. Doenças exóticas cuja presença do agente decreta o abate do lote, como é caso da Doença de Newcastle em aves, obrigatoriamente devem ser cobertas com vacinas comerciais.
As vacinas autógenas, ao contrário, são especificas para cada propriedade. Por essa razão, elas têm como principal objetivo cobrir possíveis variantes ou mutações do agente. Algumas bactérias, como a Escherichia coli, possuem mecanismos eficientes para driblar o sistema imune adaptativo. Essas mutações sugerem de tempos em tempo, que anticorpos específicos sejam produzidos, o que torna a vacina comercial menos eficiente. A vacinação autógena permite atualização da sua composição através da inclusão das novas cepas sempre que existe necessidade.
A Influenza suína é um ótimo exemplo da utilização das vacinas autógenas. A Influenza tipo A em suínos (mais especificamente os subtipos H1N1, H1N2 e H1N3) é uma doença cujas vacinas comerciais não conseguem cobrir completamente. Os subtipos da Influenza são definidos pela hemaglutinina, e segundo Culhane (2019), dentro do subtipo H3 existem 4 grupos identificados, sendo que somente no grupo IV existem 7 subgrupos. No caso do H1 (hemaglutinina de maior prevalência) são 8 grupos conhecidos. Junte-se isso a enorme capacidade de recombinação do vírus, e temos a atuação da vacina comercial limitada. A doença tem sido combatida de maneira eficaz nos EUA com o uso de vacinas autógenas, sendo hoje a primeira opção no país.
Outras enfermidades são vacinadas com cepas de prevalência mundial, mas eventualmente a eficiência da vacinação fica comprometida pela presença de variantes locais. Souza et al. (2018) encontraram variantes brasileiras de Reovírus distintas genotipicamente das cepas vacinais utilizadas comumente no campo. Enquanto as cepas utilizadas em vacinas comerciais encontram-se no grupo III, as cepas locais se posicionaram nos grupos II e V.
Quais são os requisitos para uma boa vacina comercial? E autógena?
Uma boa vacina comercial precisa de uma boa leitura do mercado. Alguns sorotipos são mais prevalentes em certos países, e se não houver uma boa proteção cruzada entre a cepa utilizada na vacina e os mesmos, a eficiência fica comprometida. O foco em pesquisa e desenvolvimento regionalizado é fundamental para compensar a distribuição em escala, buscando desenvolver vacinas com cepas locais.
Uma boa vacina autógena, por outro lado, precisa atender demanda diferente. Como parte do desenvolvimento da vacina passa pela etapa de isolamento, a expertise em diagnóstico do laboratório tem grande relevância. Isolamentos virais tendem a ser mais complexos, e vacinas autógenas que conseguem mesclar vírus e bactérias possuem capacidade de cobrir melhor os desafios de campo.